quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Da invisibilidade da mulher madura

«Ser é ser percebido»

George Berkeley (1685-1753)


Em tempos dei por mim no grupo de pertença que então rotulei como o das "mulheres quase invisíveis"; esclareça-se, o grupo das solitárias e maduras. Quanto ao outro, o grupo das mulheres casadas, unidas de facto, entre outras modalidades de se estar junto, existe sempre algo que as coloca na ribalta: o nascimento de um novo rebento, um aniversário comemorado entre casais do mesmo "círculo de confiança", a presença de ambos em festas e celebrações com fotógrafo contratado (venha mais um clique a confirmar o dois-em-um), ocasiões muitas vezes reveladas, sem pudor, nos murais ele/ela do facebook. Não, isto não é inveja - é a constatação científica de um facto: o status concedido à mulher casada, versus a despromoção social da mulher sozinha e madura a qual, ao consentir divorciar-se ou meramente manter-se solteira, torna-se naquele bico-de-obra quando se trata de compor uma mesa de copo-de-água /baptizado/ bodas: colocamos fulana ao pé de fulano?, por deus, não, lembra-te que fulano agora tem namorada, aquela australiana, como explicamos depois a foto dele perto de fulana? então sentamo-a na mesa 10?, por deus, não, são todos casados e sabes como fulana é gira e como sicrano gosta das giras! Então onde a sentamos, estou a ficar farta, nisto há uma hora!...instala-se o desespero até tudo se resolver numa epifania: a mesa dos miúdos! Estás louco, vais sentá-la com...? Sim, até vai ser bom, perfeito, pois fulana tem jeitinho com crianças e até pode entretê-las. Ufa! Vá, embora telefonar ao tipo do bolo!
Minhas caras formigas, divorciadas, solteiras ou viúvas: quando vos sentarem à mesa da linda menina das alianças e respectivos amiguinhos, quero-vos atentas a este primeiro passo no caminho sem retorno da invisibilidade social. Podem até discordar comigo, mas esta Encantadora acumulou experiência suficiente para, do alto da sua árvore mágica, gritar aos quatro ventos: "Zeus nos livre de nos transformarem em números ímpares!". De igual, não aconselho o recolhimento. A solidão, uma vez companheira de sofá, refastela-se num comodismo arrastado até à morte, diante da TV. Contra a invisibilidade corrosiva do corpo e da alma, confio apenas no seguinte Encantamento: Apercebam-se do quanto são interessantes. Sim, não chega cuidar da imagem, para manter uma audiência que vos respeite - sirvam-se das vossas histórias de vida, que já são muitas e plenas de colorido. Riam-se, tomem-se menos a sério. Revelem-se frágeis, revelem-se duras.Verão como o o número ímpar da mesa (vocês) se desdobrará em múltiplos infinitos. Podem não ter marido ou filhos, mas escrevem, pintam, gerem empresas, companhias de teatro, escolas. As histórias que daí derivam são os nossos filhos e maridos. Falem deles como os casais de facto conversam sobre os seus: apaixonada e despudoradamente. Quando deres por ti, solitária formiga, alguém irá lembrar-se de perguntar porque diacho estás sentada no lugar errado da festa e, num impulso sem precedentes, pedirá a tua mão para dançar. Palavra de Encantadora!

Aconselho esta leitura divertida:

2 comentários:

  1. Sei que é desviar-me um pouco do tema, mas não deixa de ter piada que num mundo em que os meios de comunicação são cada vez melhores, sejamos cada vez mais invisiveis
    https://www.youtube.com/watch?v=Ppe3VAU6qJc

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  2. Não, não estás a desviar-te do tema...de facto, é um paradoxo. Acho que é por causa da "sociedade do espectáculo", de que falava Lipovetsky. Quem não aparece na tv, quase que não existe.

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