domingo, 19 de junho de 2016

Decidir num piscar de olhos

Há coisas que só a inteligência é capaz de procurar, mas que por si mesma nunca achará. E essas coisas só o instinto as acharia, mas nunca as procura.  

Henry Bergson

A literatura pseudo-científica, mascarada de literatura de auto-ajuda (a propósito, se quiserem releiam "Eu, Sócrtaes, Freud e Bridget Jones") forjou receitas para quase todos os nossos comportamentos. Sem esquecer os sites lifestyle, autênticos manuais de bricolage emocional  que pretensamente nos "ajudam" a consertar atitudes, a colar discursos malfeitos, a substituir lâmpadas na noite da alma, como se esta fosse um apartamento a precisar de remodelações até à eternidade.

É o império do ruído em todo o seu esplendor. Um ruído de fundo que, a meu ver, somente baralha e atrapalha. Porque nos impede de pensar ou, pior, faz-nos tomar o ser cultural pelo Self junguiano. Tomar o mapa pelo território. 

Que território é esse? O lugar onde cabem cidades extraordinárias, à imagem de "As Cidades Invisíveis", obra-prima do Italo Calvino. Lugar onde campos, savanas, florestas e montanhas coabitam no mesmo espaço e no mesmo tempo, sítio onde cabe o brilho de várias luas e o sol nasce para se pôr, ao cabo de minutos, como no planeta do "Principezinho" de Saint-Exupéry. Como catalogar tais lugares? Nem os filósofos a tal se atrevem. Nem os teólogos. Muito menos os sábios.

Como rotular, demarcar, erguer ou alargar fronteiras quando é ela, a força vital, aquela que realmente nos conduz, na sua loucura mais bela, na sua verdade mais terrível, ao âmbito da verdadeira Vida? Existe a desorientação, pois existe. Se existem livros capazes de nos fornecer algumas pistas? Decerto. Mas se me derem a escolher entre um badalado livro de auto-ajuda e um outro, de Herberto Hélder, caminho muito melhor pelas metáforas deste último do que bebo do caldo insípido do primeiro. 

Herberto Helder - foto do espólio de Herberto Lacerda
Na esteira da frase de Henri Bergson (1854-1891), "a intuição caminha na direcção da vida", entre o intelecto e a apreensão intuitiva, aposto mais nesta última.

E a propósito dos momentos de pré-cognição, os insights (intuições) que todos nós temos e apenas alguns de nós aproveitam, fale-se de um livro de Malcom Gladwell, "Blink!- decidir num piscar de olhos". Logo a abrir conta-nos como certa escultura comprada por um grande museu revelar-se-ia, na verdade, um falso. Foi em meros segundos de observação (num piscar de olhos) que alguém intuiu a suposta fraude. Isto, após anos de observações com microscópios avançados comprovando ao milímetro a antiguidade da obra!

Por vezes a informação em demasia desvia-nos do olhar fresco, próprio da criança ainda imune a tanto ruído, assaz inútil. Ou do olhar experiente de homens e mulheres, os quais durante décadas observaram esculturas antigas e assim conseguem distinguir, num piscar de olhos, a obra genuína da construção falsa.

Os livros, sim, mas nem todos. Os escritores, sim, mas nem todos. O mesmo é válido para os milhares de opinion-makers, cujas vozes dogmáticas vão reunir-se ao carrossel colorido das imagens, 24 horas sobre 24 horas. Por fim, eis-nos exaustos e atrapalhados com tanta informação. E no mais pleno vazio existencial.

Os budistas praticam a arte de "trazer a mente a casa". Basta sentar-nos e respirar, durante um minuto, no chamado "minuto de atenção plena". E no silêncio da alma escutamos as respostas que aguardam por todas as nossas perguntas.
Palavra de Encantadora.