sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Tropa de Elite

À hora certa, alinham-se contra a  parede, devidamente equipadas e prontas para a acção. Antes deste grupo, um outro exercita-se até ao limite correndo e saltando com pesos agarados às pernas. O suor escorre pelos decotes, os cabelos desalinhados parecem ter ganhado o peso da chuva. Dali a pouco será a vez do carreiro seguinte, igualmente obediente à voz de comando: "Um, dois, três, salta! Um dois três, esquerda, direita!", "Vamos, vamos, vamos!". A nenhuma destas formigas ocorre desistir - alinhadas neste carreiro de "upas, upas!", enfrentam a luta contra um inimigo comum: o peso, ou melhor, o excesso dele. 


O primeiro grupo sai do estúdio, retira os pesos, o esforço formou um coro de ofegantes. É o próprio treinador que pega numa esfregona gigante para limpar o chão das águas do suadouro, preparando assim o espaço para um carreiro fresco. Entretanto, no estúdio vizinho, um punhado de formigas luta corpo a corpo com máquinas de fazer abdominais, de firmar glúteos e oblíquos, de alongar costas e levantar peitos, tudo isto ao ritmo binário de uma música de discoteca. Os exercícios têm designações como "GAP", "Body Pump", "Sh'bam", "Body vibe", sendo o denominador comum o ritmo frenético, a repetição (algo sádica) de movimentos e o suor, ah, o suor, indicador máximo que ali se gastam calorias e se abate a gordura acumulada porque (palavras da nutricionista de serviço), se vivenciaram "maus hábitos de vida".  A dar corpo à luta estão carreiros e carreiros de donas-de-casa, funcionárias públicas, gerentes, dirigentes, quadros superiores e empregadas de limpeza, todas formando uma tropa homogénea, dir-se-ia democratizada. Ali são todas iguais, desde o género ao vestuário, desde a vontade de acudir à necessidade de manter uma forma impecável, à situação de, antes de tudo, serem quase todas esposas e mães. Mais que uma tropa, uma verdadeira Tropa de Elite, não apenas devido à resposta à exigência e intensidade dos treinos, mas  pelo que também acontece depois destes. Uma vez disperso o grupo, cada qual vai buscar as criancinhas, emboscar o companheiro para que seja ele a tomar conta dos rebentos, entre uma ida rápida ao supermercado e o acender do fogão para o jantar. Em suma, com os membros ainda moídos pelo exercício e ei-las a iniciar uma nova luta, desta vez contra o tempo. 

Após o jantar e o contar da história à beira do berço, ainda se podem enviar e-mails de trabalho, combinar via chat a reunião do dia seguinte, tendo em mente que nesse mesmo dia haverá reunião com a Directora de turma, ou festa na escolinha, ou a vacina, ou então algo inesperado, como uma virose na creche. Nesse amanhã, a despeito da lista de tarefas de cada formiga, o grupo voltará a formar-se. Em carreiro, entrarão na sala de treinos com a mente focada, quais soldados a quem a noite e o dia se confundem no estrépito da música que dá o tom frenético à batalha.




3 comentários:

  1. Ao som da discoteca de sons de buzinas, gargalhadas, choros, Big brother da realidade, somos todos formigas suadas e trabalhadoras. (Umas mais que outras). No final, somos todos parte do mesmo carreiro de formigas, nao importa o estrato social. Acordamos, levantamos, trabalhamos e dormimos e no dia seguinte voltamos ao mesmo:) Gostei muito Encantadora de Formigas!

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    1. Obrigada, Dinarte! É bom quando um texto dá origem a outro.

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  2. Gostei especialmente da parte do post em que a autora se coloca no lugar das outras. Um exercício cada vez mais raro.

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