terça-feira, 14 de abril de 2015

Fugir para a frente

«O esforço por atingir as alturas é suficiente para encher o coração de um homem» Albert Camus
Quantas vezes a fuga parece-nos a melhor das hipóteses? Dizem as gentes, há quem apenas fuja para a frente. O resultado poderá ser embatermos numa parede e, como no conto popular, tentarmos à força derrubá-la com ovos. O final da dita fuga para a frente possui outras variantes: foge-se para a frente atirando-nos para os braços do primeiro cavaleiro andante de passagem e, no fatal dia seguinte, ele diz-nos que o cavalo foi adquirido num leasing. Atirar por atirar, atiremo-nos ao mar (posso bem fazê-lo, dada a geografia do meu habitat), porém com a alta probabilidade de sermos resgatados pelo barco do Capitão Gancho. A primeira das minhas fugas para a frente foi impedida pela minha mãe que, ao não ver a filha de 4 anos em sítio algum, foi encontrá-la, segundo expliquei, "a caminho da casa da tia". Esclareça-se, a "casa da tia" ficava a uns 850 quilómetros, mais coisa, menos coisa. Mesmo quando embarquei num avião da TAP em busca de realizar o meu sonho (já com a bênção parental) eu intuía estar a fugir para a frente - ia ao encontro de uma suposta liberdade, mas levando na bagagem o peso emocional de vinte anos a sentir-me "diferente dos outros meninos". O bilhete era real e, para bem da tal fuga ser realmente para a frente, um bilhete só de ida. Pela lógica do texto, sim, continuei "diferente dos outros meninos". 850 quilómetros não fizeram qualquer diferença.

Caras formigas, desconheço os efeitos mágicos da distância, se é que os há. Se existe algum Encantamento capaz de nos devolver os sonhos? Também desconheço. O povo (outra vez o povo!) postula: há que manter os pés bem assentes na terra. Errado. Os nossos dias conturbados, a cheirar a suor e a cinzeiros cheios não assentam em qualquer solo firme. Vivemos sem chão e, iludidos, continuamos a fugir para diante: mudamos de trabalho, de casa, de guarda-roupa, entramos em mil projectos e trabalhamos até adoecer. Tudo em prol de uma abstracta "carreira", ou, "propósito pessoal". Vendo o quadro de fora, adejamos os braços quais avezinhas aflitas numa tempestade. Isso não é fugir. É, digamos, passarinhar pela vida.

O único Encantamento realmente eficaz  é fugir, sim, mas "para cima". Quais super-heróis, voamos em direcção às nuvens e, mais  afoitos, penetramos na galáxia da nossa mente profunda, lugar sagrado da nossa essência. Uma vez ali, suspiramos de alívio. Existe espaço, existe vazio, existe silêncio. Silêncio para pensar. Acaba-se a guerra barulhenta contra o Mundo. A mesma que, feitas as contas, nos deixou iguais ao que sempre fomos: diferentes dos outros meninos. E também magoados por tanto enxerto de porrada. 





4 comentários:

  1. Nem mais. Também cheguei a essa conclusão que a única conclusão é a chuva para cima. "Lá em cima" é uma expressão subjectiva mas a mais eficaz. Um quadro que ilustra muito bem esta solução é o "O carro da palha" de Hieronymus Bosch.

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  2. Este teu post merecia publicação num jornal nacional. Tens qualidade para isso. Procura, rapariga, tenta.

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  3. Meu querido amigo, fiquei sem palavras. Um beijinho.

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