quinta-feira, 9 de abril de 2015

Ganhar a vida com pesadelos

"Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os Sonhos" (W. SHAKESPEARE)

A sério. A uma semana do reinício das aulas, começo a ter pesadelos. Todos ligados à escola. Daqueles, acordo a transpirar e com o coração numa cavalgada. Parece uma situação retirada de um filme de terror. Infelizmente, não. Podia dizer a mim própria, tal como se acalmam as crianças, "Foi só um pesadelo, volta a a adormecer."

Mas não, os monstros existem e se não os vejo debaixo da cama ou no interior do roupeiro é porque já adquiriram liberdade suficiente para me aguardarem à entrada da sala de aula. O primeiro dia foi exactamente assim: um pesadelo. 

A matéria era bem gira. Falei da Luz. Falei da Cor. Do prisma de Newton, da Luz branca que contém o arco-íris; da maravilha que é a visão e de como o nosso cérebro possui a magia de transformar os impulsos luminosos em cores. Milhões delas. Mas o pesadelo impôs-se. Eles levantaram-se e sentaram-se, eles enviaram mensagens pelo telemóvel (obviamente, proibido), eles riam-se de tudo e de nada e eu entrevia, nas suas bocas, as pastilhas que já desisti de obrigar a meter no lixo. A sala transformou-se num lugar de penumbra donde passaram a emergir comentários desgraciosos e risotas inoportunas. Respirei fundo. Os meus encantamentos habituais não surtiam efeito naquelas formigas, reunidas no interminável carreiro da ignorância. Pensei na Luz. Pensei na Cor e em pinturas grandiosas; pensei nos poemas que leio todos os dias, na luz das palavras. Pensei no teatro. Nas luzes de cena. De repente, na penumbra da sala, soltei um novo Encantamento e, sobre mim, acendeu-se um holofote. Estava no palco. A peça era minha. Vi actores ocuparem os seus lugares. Senti, por fim, aquela emoção da estreia, a Luz mais intensa entre todas as luzes. Vi a tua figura, Anjo Branco, a chamar-me da plateia. Ainda aqui estou. Este é o meu sonho. 

2 comentários:

  1. Gostei muito deste post. Percebi as dificuldades dos professores em cumprir a sua missão e fazer aquilo que mais gostam: comunicar a sua visão das matérias. Mas ainda gostei mais do final fantástico como é teu timbre e ainda por cima sobre um tema teu caro como é para mim e para ti o teatro. PS. Engraçado. Já me tinhas falado do título deste post esta semana.

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  2. Obrigada! O teatro tem sido a salavação do nosso espírito...devo ter falado dos pesadelos, pois devo.

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