terça-feira, 28 de abril de 2015

Somos juncos que pensam


Assumo que cresci libertina. No sentido de ter crescido num meio ecologicamente afastado de certos vícios culturais, como o da religião instituída. Fui educada para pensar, com todos os perigos que tal acarreta; em criança lia o que bem entendia, lia tudo o que não era "para a minha idade". Ainda sofro os efeitos colaterais de tal libertinagem, como existir sempre à beira do colapso moral. A Cultura (a exemplo da judaico-cristã), quer queiramos quer não, dá-nos uma base sólida. Os valores civilizacionais e as instituições que os prefiguram, idem. No meu caso, permaneço libertina, portanto invariavelmente frágil.

Conforta-me a frase do filósofo Blaise Pascal, "O Homem não é mais do que um junco, o mais débil da natureza, mas um junco que pensa." Acrescente-se que, também para Pascal, estamos condenados a habitar um Mundo injusto, pois a imaginação, essa coisa diabólica, toma por nós todas as decisões.

Num Mundo em que a imposição da razão sobre a imaginação pulverizariam os nossos julgamentos errados, todos os males seriam cortados pela raiz. Seriam erradicadas as guerras, as desigualdades sociais, as doenças...hummm, demasiado simplista, não acham? E se a imaginação, a tal fraqueza do junco pensador, for de facto aquilo que o torna robusto perante os vendavais da existência? A imaginação pode muito bem conduzir-nos ao erro e é com os erros que mais sofremos. Paradoxalmente, caso deixarmos de sofrer, deixamos de criar. E se não criamos, espera-nos um Paraíso com aparência de casa de repouso: asséptico, rotineiro, em última análise, povoado de gente submissa.

Amigas formigas pensadoras: caso a nossa debilidade residir na imaginação, então optemos permanecer frágeis, mas com a tal capacidade admirável de nos dobrarmos até ao limite da robustez da nossa fibra. Somos débeis, mas resistentes. Pensamos, logo resistimos. Tudo o resto  é civilização.

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